Por volta de 22h30 de 18 de setembro de 2000, eu recebia um telefonema do meu irmão mais novo que mudaria a minha vida e a dele e a da nossa família toda: ele me disse que a Santa Casa de Misericórdia de Itu havia ligado pedindo que alguém fosse até lá autorizar o uso de alguns medicamentos em outro irmão internado.
– Como assim?, reagi.
– Não sei, eles disseram que ele precisa de outros remédios.
– Mas já autorizamos qualquer procedimento quando o internamos e isto vale para todos os medicamentos.
– Você acha que…
– Sim, eu acho: o nosso irmão morreu, cortei a pergunta.
Meu irmão mais novo não queria acreditar.
Nem eu queria acreditar.
Havia 15 dias que o nosso outro irmão estava internado vítima de um AVC aos 42 anos. Era uma segunda-feira quando ligaram. No domingo havíamos estado lá e ele tinha sido liberado para o quarto, deixando a UTI, onde ficara desde a internação. Estava melhor.
Era o que costumam chamar de melhora da morte.
Todo paciente apresenta uma repentina progressão de estado, dando a falsa impressão de que está sarando, e morre.
Meu irmão mais novo não teve coragem de subir ao segundo andar, onde ficava a UTI e para onde nosso irmão havia voltado.
– Fizemos o possível. Ministramos até albumina humana, mas o organismo dele estava fraco. Ele faleceu às 22h, disse o médico.
Fiquei petrificado na frente dele.
Havia sido prático e objetivo ao identificar que era essa a notícia, mas agora, diante da comprovação, fraquejei.
O médico tinha outros afazeres e não gastou muito tempo comigo.
– Preciso que tire o corpo daqui até as 3h.
Quando ele disse isso, despertei daquele sentimento de prostração e tive, talvez, uma injeção de adrenalina.
Disse que tinha compreendido e desci para encontrar o outro irmão e começar a tomar as providências.
Dali mesmo eu e ele acionamos a funerária para a retirada do corpo e marcamos o início do velório para as 6h.
Em seguida, fomos à casa da minha cunhada para avisar sobre a morte do marido dela. Ela dormia com irmãos e irmãs e ficou destruída. Não sabia o que dizer para amenizar aquela dor.
Dali fomos atrás de uma enfermeira para garantir que a notícia não causasse algo pior para minha mãe.
Não adiantou muito.
Ao saber que enterraria um filho, a pressão dela foi às alturas.
Meu pai também não ficou bem.
Cheguei em casa às 5h.
Tomei um banho e me deitei para descansar um pouco.
Não tinha ainda a dimensão de tudo aquilo.
Parecia que tinha carregado um piano nas costas a madrugada toda e que havia um rio de lágrimas para chorar, mas elas não saíam.
Foi quando cheguei ao velório pouco depois das 6h e vi o meu irmão no caixão que senti o laço se desfazendo inapelavelmente.
Aí sim não tive como evitar as lágrimas.
A vida é repleta de momentos efêmeros, mas alguns deles carregam um peso emocional que nos marcam para sempre.
Hoje, 23 anos depois, a memória desse irmão continua viva, assim como toda essa trajetória do anúncio da morte até o sepultamento.
A sua partida deixou uma lacuna imensurável.
Ficaram o seu jeito simples de encarar a vida, o amor incondicional aos animais, o irmão sempre disposto a ajudar a todos.
A memória de um cara correto, responsável, trabalhador.
O mecânico da família.
Éramos seis, como no romance de Maria José Dupré, mas só somados os filhos, e durante esse tempo todo passamos a ser cinco.
Neste aniversário de morte concluo que continuamos seis.
Esse irmão nunca deixou de estar presente.
Nunca deixará.