Décio voltava a pé do trabalho.
Já não tinha mais dinheiro para a gasolina do carro, encostado havia meses. No ônibus, se sentia enjoado com o chocalhar.
Estava desanimado com o salário, que achava muito baixo para tudo o que fazia.
A rua deserta, tarde da noite já, um vento frio. Não faltava quase nada mais para completar o quadro de tristeza total.
Pensou: só falta chover agora.
Alguns passos depois, tropeçou em uma lata largada no meio do caminho.
Não a tinha visto enquanto andava naquela escuridão. Acabou chutando-a sem querer.
Doeu-lhe o dedão.
Voltou para ver que diabos de lata era aquela que pesava tanto.
Olhou com atenção, acendendo a luz do celular, e aí viu que a lata estava pesada daquele jeito porque tinha uma barra de ouro dentro. Devia ser ouro. Brilhava, amarelinha.
Pensou rápido: fosse ou não ouro, era melhor esconder em um terreno baldio, que estava do lado. No dia seguinte passaria e pegaria para vender. Se chegasse com a barra de ouro em casa, ia ter de explicar.
Também ninguém ia achar se escondesse bem no meio do mato alto como estava ali.
Quando pisou no terreno baldio, abrindo caminho com um dos braços, encontrou um corpo. Meu Deus do céu, pensou. Benzeu-se e saiu correndo. Teve tanta pressa que acabou deixando cair a lata.
Não adiantou a pressa para sair dali: topou com a polícia. Logo a polícia meu Deus, pensou. E os caras eram mal-encarados.
Por eles foi levado à delegacia.
Enrolou-se demais no depoimento.
O morto no terreno era um banqueiro. A barra de ouro na lata era dele.
Sem explicação, Décio acabou preso.
Lamentava a falta de sorte, mas cadeia é como vida de pobre, acostuma-se.
Saiu quase um ano depois.
Estava triste ainda.
A vida não vinha sorrindo para ele quase nunca e, quando sorria uma vez ou outra, mostrava um riso banguelo e feio.
Foi embora andando a pé como antes.
No caminho de casa, achou outra lata.
Infartou.