– O que achou? – ela perguntou, dando uma voltinha no próprio pé.
Vestida em um pijama de mangas compridas todo rosa e com um capuz de gata, na cor branca, cobrindo a cabeça, de onde só se via o seu rosto, sorriu, realizada com a compra, e esperava o veredicto do marido Gonçalo, que ficou de olhos arregalados e de boca aberta.
Mais uma voltinha no próprio pé, um novo sorriso ainda mais esfuziante e os olhos com expressão grave, ela insistiu:
– E daí? Não vai dizer nada? Estou esperando.
– Bem, Lisa, eu achei, achei, achei.
– Achou o que homem? Vamos!
– Achei exótico.
– Exótico? Puxa Gonçalo. Achei que ia gostar.
– Amor, você tem 56 anos. Acha mesmo que um pijama de gatinha com um capuz como esse fica bem para você?
– Bem para mim? Eu faço o que eu quiser. Não tenho de dar pitomba para ninguém. E não fale da minha idade. Eu tenho 21.
Gonçalo desatou uma gargalhada gostosa de se ouvir, daquelas que enchem o ambiente e que contagiam até quem não gosta de rir.
– Do que está rindo?
– Lisa, são cinco e meia da manhã de um domingo. Você me veste um pijama de gatinha e diz que tem 21. Só pode ser piada.
A mulher murchou diante da conclusão do marido.
Mas ele não se contentou com o que disse. Tinha dado dois passos em direção à cozinha, já saindo do quarto, quando voltou:
– Tire essa fantasia e vá comprar um pão quentinho para nós.
– Não é fantasia, seu grosso. Vai você comprar pão. Eu não vou.
– Se eu tivesse visto que estava dormindo desse jeito ontem à noite, tinha ido dormir no quarto de visitas.
– Você não tem sensibilidade.
– Eu vou comprar pão porque lá eu ganho mais.
Ele já estava saindo quando ela decidiu:
– Vou com você.
– Mas vai tirar essa fantasia antes, né?
– Vá para o inferno. Não vou tirar nada. Vou ficar no carro. Você desce, compra e eu espero lá. Vou só deixar o celular carregando.
Chegaram em frente à Padaria Bela Vista e estava fechada ainda.
Gonçalo desceu e foi para a porta esperar abrir.
O pijama de gatinha ficou quente dentro do carro.
Lisa bateu os dedos na chave para ligar e abaixar o vidro.
Aí percebeu que não pegava.
Tentou outra vez e nada. Mais uma. Nada.
– Não acredito nisso.
Outra tentativa e nada de funcionar.
– Gonçalo, ela chamou o marido, mas sem erguer muito a voz para não chamar a atenção por causa do pijama.
Ele não ouviu. Ela insistiu. Estava nervosa já.
– Que homem surdo. Gonçalo! – agora gritou.
– O que foi?
– Venha aqui rápido, disse baixinho novamente.
– O que aconteceu? Está com dor de barriga?
– Vá para inferno Gonçalo. O carro não pega.
– Já ligou a chave?
– Não, pedi para o seu pai ligar. É claro que liguei. É por isso que sei que não pega. E agora?
– Puxa. Desça e trave. Vamos pedir ajuda.
– Você é um sonso mesmo, né? Como vou descer se estou de pijama? E como vou travar se ele não pega?- É mesmo. Assim não dá. O que vamos fazer?
– Eu te chamei aqui por isso. Para ver o que vamos fazer. E você me pergunta o que vamos fazer?
– Pega o celular e chama o mecânico, ele sugeriu.
– Eu não trouxe o celular. Ficou carregando, lembra?
– Eita, e agora?
– Já sei: vou acionar o seguro.
– Boa ideia Lisa, você é um gênio, ele disse sorrindo realizado.
Mas logo ela percebeu que não poderia.
– O aplicativo do seguro está no celular lá em casa.
– Fique aí amor. Eu vou lá, apanho o celular e aciono.
– Não dá Gonçalo. Tem de ter a minha digital para desbloquear.
– Então vai você para casa, desbloqueia e chama o seguro.
– Como eu vou para casa de pijama Gonçalo? Olha quanta gente já tem na frente da padaria. Eu vou virar atrativo de circo às 6h da manhã. Olha lá: tem até guarda municipal na porta.
Ela estava prestes a começar a chorar de nervosa.
Gonçalo pensou um pouco sem olhar muito para a mulher e sacou uma ideia como uma jogada de mestre do xadrez.
– Lisa, eu vou chamar um uber. Você entra rapidinho e vai para casa. Aciona o seguro e eu espero aqui.
Lisa não teve a mesma avaliação dele sobre ela de que ele fosse um gênio, mas gostou da sugestão. Era a menos ruim, afinal.
E lá foi o marido chamar o uber usando o seu celular sem avaliar que poderia também chamar um mecânico pelo aparelho e evitar que a mulher tivesse de ir de pijama no uber.
Ela também não notou a possibilidade.
Chamado feito, o carro não chegava. Um olhava para o outro. Ela queria chorar, ele ria de nervoso. Os dois estavam tensos e agora só torciam para que ninguém a visse com o pijama.
Os dois já estavam muito impacientes quando ela brincou:
– Se alguém vir essa cena, vou cobrar ingresso Gonçalo.
Finalmente o uber chegou.
O marido ordenou que ele encostasse bem ao lado do carro. Explicou o que aconteceu e Lisa entrou e se escondeu no banco detrás. Entrou muda e saiu quase calada. Só disse um bom dia seco.
Lisa não queria que ele olhasse para traz de jeito nenhum.
O problema foi descer do carro e abrir o portão.
Nos breves dez segundos em que fez a saída estratégica como a pantera cor-de-rosa, parecia que ela vivia uma eternidade.
Depois de ligar para o seguro e trocar de roupa, Lisa voltou para a frente da padaria para resgatar o marido.
Gonçalo não conseguia parar de rir.
– Eu falei que esse pijama de gatinha não era uma boa.
– Vá para o inferno Gonçalo.
– Aposto que o motorista olhou para você quando desceu do carro e riu muito mais do que eu, não foi?
– Você é que pensa, reagiu ela altiva, na tentativa de reequilibrar as coisas: – Ele ficou é admirando a minha feminilidade. Afinal, não é todo dia que um uber pega uma passageira linda assim como eu de pijama e pior: com autorização do marido, saiba você.
– Pois eu acho que ele pensou: o que será que aquele coitado fez para merecer isso, um pijama de gatinha aos 56 ninguém merece.
– Gonçalo, vá à merda.